Jovens do Varjão se unem em torno do Projeto Música e Cidadania

24-08-2011 18:53

 A combinação entre disciplina, dignidade e cidadania pode operar grandes mudanças e o maestro Valdécio Fonseca aposta na tríade. Em 2007, ele resolveu juntar esforços para dar início a um sonho antigo: formar uma banda em bairro carente do Distrito Federal. Militar formado em música e mestre da banda dos Dragões da Independência, Fonseca guardava em casa uma tuba, dois clarinetes, um saxofone e um trompete. Pegou tudo e levou para o Varjão. Começou uma banda modesta, pequenina, que em setembro daquele ano já contava com 30 aprendizes. A persistência deu fôlego ao que ficou conhecido como Projeto Música e Cidadania. Apesar da escassez de tudo, a banda cresceu, virou sinfônica, ganhou patrocínio da Poupex e reúne hoje 70 jovens músicos. 


A apresentação marcada para hoje no Teatro Poupex é o início do que o maestro considera um novo começo: em breve a banda deixará de ser banda para se transformar em orquestra graças aos 12 violinistas que já começaram a estudar para integrar o conjunto. “A ideia é resgatar valores através da música. Alguns dos nossos meninos têm muita carência, tanto afetiva quantofinanceira. A gente não quer que todo mundo se torne músico, mas que sejam ouvintes conscientes e cidadãos, que saibam seus direitos. E a música traz para eles uma dignidade.” Fonseca cresceu na periferia de Belo Horizonte e aprendeu música em um projeto social. De certa forma, quis retribuir a experiência. 

A repercussão foi tanta que a notícia do projeto extrapolou o Varjão: alguns dos integrantes vêm de Samambaia, Águas Lindas, Paranoá e Santa Maria. O maestro também acabou por flexibilizar as idades. A intenção inicial de atender crianças entre 10 e 18 anos acabou arquivada. “As pessoas foram chegando e como eu ia dizer não? É um projeto de inclusão social, não dá para excluir.” O integrante mais jovem tem 7 anos e a mais velha, 31. O grande trunfo do maestro é que alguns acabaram por optar pela música e foram estudar na Escola de Música de Brasília (EMB). 

Matemática 

Weksson Reis entrou para a banda aos 17 anos. Chegou descrente ao primeiro ensaio. “Achava que era mais um projeto como outros que, depois de cinco meses, acabam e deixam a gente na vontade”, lembra. Começou com o saxofone e logo passou à clarineta. Descobriu que a vontade de trabalhar com matemática poderia ser realizada na música e entrou para a EMB. “A música é meio matemática, né? Comecei a ver o sonho do Valdécio como meu”, conta o rapaz, que está com 21 anos e se tornou o único funcionário pago do projeto. 

Na conta do sonho de Valdécio entra o desejo de que todos os integrantes ganhem bolsas. “Já perdi muito menino para o trabalho. Eles prfecisam trabalhar, ajudar a colocar comida em casa. Tem menino que não vem no ensaio de sábado porque está lavando carro na rua”, lamenta. Eduarda de Freitas, 13 anos, é um exemplo. Desde os 10 anos a menina precisa cozinhar à noite para alimentar os irmãos enquanto a mãe trabalha. Em uma das sessões de cozinha, queimou o braço. Ficou semanas afastada da banda. “Comecei com 8 anos, tocava trombone, mas meu braço era pequenino, então troquei para bombardino”, explica Eduarda, que aproveita os ensaios de sábado para treinar. 

Hirã Macedo, 22 anos, dá risada com o jeito tímido de Eduarda. Para ele, a música é um caminho certo e seguro. “Graças ao projeto, hoje sou trompetista da banda do Exército. Tudo que tenho hoje devo à música”, revela o filho de uma auxiliar de limpeza e um relojoeiro que sonhava em ser músico e encontrou a oportunidade no projeto de Valdécio. “Eu servia no Exército, era soldado, mas quando via a banda no pátio, nossa, era indescritível.” Maria Aparecida Albuquerque, a Cida, 31 anos, cultiva a mesma gratidão. Ela tentou levar os filhos, mas acabou por se tornar um exemplo para a banda. 


Paixão antiga 

Desempregada, Cida vive de trabalhos ocasionais como monitora de festas infantis. Trabalha principalmente aos sábados, o que a obriga a faltar aos ensaios. Ela tenta compensar com muito estudo: a clarineta é uma paixão antiga. Cida teve o primeiro contato com música na infância. Uma vizinha do canteiro de obras no qual o pai trabalhava se dispôs a ensinar piano para a menina. Ela teve algumas aulas e chegou a entrar para a EMB, mas quando completou 13 anos a mãe decidiu que o estudo da música não era adequado para uma família religiosa e suspendeu o sonho. Em seguida, logo depois da adolescência, um casamento complicado jogou Cida na depressão. “Eu só pensava em me matar. Mas aí veio a banda e eu vi uma perspectiva nova, vi minha vida voltar. A música me devolveu a vontade de viver.” 

O Música e Cidadania cresceu tanto que ganhou agregados. Há alguns meses, a flautista Renata Menezes e o trompista Fernando Morais, ambos da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, passaram a dar aulas para os meninos. Na apresentação de hoje — cujo repertório inclui música popular e erudita — a banda terá participação especial de Anderson Alves, clarinetista da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) e, em setembro, os meninos dividem o palco com Carlinhos Brown durante o Perc Brasil. 

A próxima luta do maestro é conseguir um lugar fixo para conduzir os ensaios. Atualmente, a banda tem pouso fixo na Casa de Cultura do Varjão, mas já passou pela creche e outros espaços públicos do bairro.